Manoel Carlos: "Se ajudamos a vender produtos através do 'merchandising', por que não 'vender' serviço social e cidadania?" (Entrevista)
Um dos maiores nomes da teledramaturgia do Brasil, Manoel Carlos Gonçalves de Almeida, concede entrevista ao saude.com.br
Manoel Carlos é mais do que um consagrado autor de novelas. Ele faz parte da história da televisão brasileira, onde começou a trabalhar como ator no ano de 1951. Vivendo com a família em Nova York desde agosto do ano passado, Maneco, como é chamado pelos amigos, trabalha em seu novo projeto, um romance, o primeiro de sua carreira.
Autor de grandes sucessos como Por Amor, História de Amor, Presença de Anita e Laços de Família, onde abordou com muita competência e emoção o tema da leucemia, Manoel Carlos é considerado um dos maiores novelistas da teledramaturgia brasileira.
Confira agora a entrevista exclusiva que Manoel Carlos concedeu ao Saude.com.br, diretamente de Nova York, contando porque resolveu se mudar do Brasil e o que achou dos atentados de 11 de setembro. Ele também fala de como cuida de sua saúde, e ainda revela quais são seus projetos para o futuro.
Como você entrou para o universo da televisão e das telenovelas?
Manoel Carlos: Eu comecei em 1951, quando a televisão tinha 6 meses. Foi em março, na semana em que fiz 18 anos. Comecei como ator, sob a direção do Antunes Filho, fazendo textos de Tchecov e Pirandello. Mas já na terceira apresentação, representei um texto escrito por mim. Portanto, sempre escrevi para a televisão, mesmo quando era ator, atividade que exerci até 1958, quando então passei a só escrever.
Quanto a escrever novelas, como elas são feitas até hoje, minha primeira foi MARIA MARIA, que adaptei do romance "Maria Dusá", de Lindolfo Rocha. Isso foi em 1978. O convite para a primeira novela partiu de Herval Rossano. Antes disso, escrevi novelas curtas, apresentadas ao vivo, com capítulos de 15 minutos, 3 vezes por semana. Duas dessas "novelinhas" que fiz foram "Iaiá Garcia" e "Helena", adaptadas de Machado de Assis, com Bibi Ferreira. Isso foi em 1952, na TV Paulista, canal 5, de SP, que depois ficou sendo TV Globo.
Foi difícil fazer a adaptação da obra de Mário Donato, Presença de Anita? Você esperava todo aquele sucesso?
Manoel Carlos: "Presença de Anita" - o romance - eu li quando saiu publicado, em 1948. Eu tinha 15 anos e li escondido, como todo mundo na época, inclusive os adultos, que encapavam o livro com papel fosco para que ninguém o identificasse. O livro foi considerado mais do que imoral - indecente. Houve mesmo passeatas de senhora católicas pedindo a excomunhão do autor. Me apaixonei pelo romance, fazendo leituras sucessivas pela vida afora. Quando o filme foi feito, assisti várias vezes. Depois conheci Mario Donato, a quem declarei minha admiração. Em 1991, quando voltei à TV Globo, pedi que a empresa comprasse os direitos autorais, o que foi feito. A partir daí comecei a me corresponder com Mário Donato, com quem troquei informações sobre como eu pretendia fazer a minissérie. Ele me deu "carta branca". Mário era uma pessoa extremamente generosa, muito inteligente e que conhecia cinema e televisão. Quando da realização do filme, ele mesmo escreveu os diálogos. Na ocasião em que nos correspondemos, ele já estava muito doente. Morreu em abril de 1992, com 77 anos, antes que eu terminasse o trabalho, que só ficou pronto no final daquele mesmo ano. Eu não considerei difícil o que fiz porque o amor que sempre tive pela história me inspirava continuamente. Quanto ao sucesso, confesso que esperava, que tinha certeza que ele viria. Durante os quase 10 anos que "Presença de Anita" ficou na gaveta, não cansei de dizer que acreditava no seu sucesso.
Por que resolveu morar em Nova York? Alguma decepção com o Brasil?
Manoel Carlos: Nenhuma decepção. Amo o meu país e me permito criticá-lo severamente, mas por nada deste mundo me mudaria definitivamente. Vim para NY porque queria descansar, vendo muito teatro, cinema, ballet, concertos, museus. E não há no mundo lugar melhor do que NY para quem se dispõe a isso. Outra motivação muito forte foi oferecida pelos meus filhos, Júlia (19 anos) e Pedro (10 anos), que gostam daqui, vêm a esta cidade desde muito pequenos, e queriam estudar, fazer cursos que NY oferece. Julia faz teatro na Stella Adler e literatura na Universidade de NY, Pedro está no quarto ano do primeiro grau na Rudolph Steiner School, que usa o método Waldorf, do qual eu e minha mulher somos admiradores. Mas estaremos voltando ao Brasil até o final do ano.
Como você está vendo a mobilização da sociedade americana em torno da reconstrução da cidade de Nova York? Você acha que a sociedade brasileira tem essa visão de comunidade?
Manoel Carlos: Foi muito comovente e estressante estar aqui na ocasião do atentado e presenciar toda a reconstrução da confiança do povo americano em suas instituições, reconstrução essa que ainda não se deu por terminada. Ainda há muito temor, muita apreensão. Acho que o que aconteceu motivaria qualquer comunidade, de qualquer país, inclusive a brasileira. Foi terrível, indescritível. E inesquecível também, tenho certeza. Muitas vezes, no decorrer desses meses todos, eu acordava à noite e me perguntava se aquilo tinha realmente acontecido. Pode-se imaginar então o que sentia o povo americano, as pessoas nascidas e criadas aqui, que sempre tiveram o país como o mais poderoso e seguro de todos os países do mundo.
Atualmente você está trabalhando em um romance. Qual é a diferença entre escrever uma novela e um romance?
Manoel Carlos: Bem, está sendo o meu primeiro romance, quando na televisão eu sou um veterano. Mas a narrativa é completamente diferente, o que está sendo uma boa experiência para mim, que já estou com 69 anos. A ideia, que considero muito boa, é da Editora Objetiva. São 5 romances de uma coleção chamada "5 Dedos de Prosa". A mim coube escrever uma história em torno do dedo anular. Os outros dedos foram distribuídos entre o Cony, o Luiz Fernando Veríssimo, o Mário Prata e a mais alguém que não me lembro quem seja. Estou gostando muito do trabalho e espero concluí-lo até o final do ano.
Muitos escritores têm verdadeiros rituais para escrever. E você, tem algum?
Manoel Carlos: Sou um escritor que sempre escreveu em meio ao caos doméstico, familiar. Explico: escrevo profissionalmente desde os 18 anos e o meu primeiro filho nasceu quando eu tinha 19. O segundo, quando eu estava com 21. Isso significa que sempre escrevi com criança em casa, ao meu redor. Sempre tive que interromper o trabalho para dar uma comidinha pra um, apontar o lápis de outro, assim por diante. Depois, aos 35 anos, nasceu minha filha Maria Carolina, de um segundo casamento. De um terceiro, nasceram a Júlia e o Pedro, eu tendo 50 e 59 anos, respectivamente. Dá pra ver que eu continuei tendo crianças em casa o tempo todo e interrompendo o trabalho para atendê-las. E antes desses dois últimos filhos, vieram minhas duas netas, Mariana e Luiza. E não parou por aí. Há 6 anos nasceu meu neto João Pedro e há dois, minha neta Sofia. Dá pra ter rituais rigorosos? Não, não dá. Eu sento diante do computador, como sentava diante da minha máquina de escrever - e escrevo em meio à vida familiar.
Você tem algum cuidado especial com a sua saúde, como alimentação, exercícios físicos?
Manoel Carlos: Tenho apenas cuidados básicos. Me alimento de pouquíssima carne, caminho bastante e depois de 50 anos fumando, parei há 7. Me alimento sem excesso, sempre com saladas leves e algumas frutas. Meu prato preferido é tudo que vem do mar e dos rios. Mesmo assim, estou sempre muito acima do meu peso ideal. Já fui um grande apreciador de uísque, mas hoje só bebo vinho, um copo às refeições. Fora isso, faço alguns exames periódicos, como sangue, próstata, raio-X de pulmão, ultrassom de abdômen e eletrocardiograma. Isso tudo pelo menos duas vezes por ano.
O que você faz no seu tempo livre?
Manoel Carlos: Meu tempo livre eu ocupo com livros, música, cinema em casa, no telão, e com os amigos, que não são muitos. Sou de uma geração que tem quase que mais amigos mortos do que vivos. Tenho perdido alguns nesses últimos anos. Mas gosto de receber gente na minha casa. Saio pouco no Rio. E com o aumento assustador da violência, sei que sairei ainda menos quando voltar.
Você demonstra conhecer muito bem a sensibilidade do universo feminino, através de suas personagens principais. Como você desenvolveu esse "olhar feminino"?
Manoel Carlos: Fui criado por mulheres até os 11 anos. Mãe, duas irmãs mais velhas do que eu, duas avós e muitas tias. Também tive mais primas do que primos. Meus avós eu nem sequer conheci e meu pai foi sempre mais distante, preocupado com os negócios, pouco doméstico. Por causa das minhas irmãs, minha casa vivia cheia de meninas, pois fui o único filho homem por 8 anos, quando só então nasceu meu irmão. Essa é a razão que existe por conta do convívio permanente com mulheres. Mas a razão principal certamente reside no fato de eu sempre ter achado a mulher mais rica vivencialmente. Como foi sempre injustiçada socialmente, marginalizada por muitos séculos, desenvolveu um silencioso e apurado senso de observação. Sabe ver melhor as coisas, sem a onipotência dos homens. Acho as mulheres menos hipócritas, mais leais e fiéis, mais sérias, mais sensíveis, mais corajosas. O universo feminino é infinitamente mais rico do que o masculino. O assunto preferido dos homens é a mulher. O da mulher não é o homem. Antes falam da casa e dos filhos e quando falam dos homens, falam do seu próprio homem: marido, noivo, namorado, amigo. Homem fala de mulher de uma maneira geral, inclusive da dos outros.
A novela Laços de Família fez um grande sucesso e comoveu o país ao abordar o tema da Leucemia. Você esperava uma repercussão tão grande?
Manoel Carlos: Bem, por mais que esperasse, seria surpreendido, já que o sucesso ultrapassou todas as expectativas. Fiquei feliz com esse resultado porque serviu para despertar a sociedade para um grave problema. O que me levou a fazer isso foi um dia perceber, numa reunião na minha casa, com amigos, que mesmo homens e mulheres inteligentes, razoavelmente bem informados, pensavam que para doar a medula precisavam passar por uma cirurgia. A palavra transplante de medula leva a crer que é preciso abrir o corpo, fazer uma operação invasiva, como é necessário com transplante de coração, rins, etc. Quando souberam que não era nada disso, correram a fazer a doação. Na novela, fiz o médico dar essa explicação, de maneira didática, bem simples, para todo mundo entender. Isso ajudou muito.
Você acha que a telenovela, além de oferecer entretenimento, deve abordar algum tema social ou de interesse público?
Manoel Carlos: Sem a menor dúvida. Se ajudamos a vender produtos através do "merchandising", por que não "vender" serviço social e cidadania? Não abro mão disso e a TV Globo dá a maior força, jamais impedindo que seus autores se engajem numa campanha.
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