Humberto Costa: "O importante é não deixar que a sobrecarga de trabalho seja um obstáculo à prática de atividades físicas." (Entrevista)
Falando sobre assuntos que vão desde o SUS até os cuidados de sua própria saúde, o Ministro da Saúde Humberto Costa concede entrevista exclusiva ao saude.com.br
Médico, com pós-graduação em medicina geral comunitária, clínica médica e psiquiatria, o atual ministro da Saúde, Humberto Costa, também é formado em jornalismo. Nasceu em São Paulo, no dia 7 de julho de 1957, mas aos sete anos foi morar com a família em Recife, onde foi secretário de saúde da prefeitura e participou da Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados. Foi eleito deputado estadual em 1990 e federal em 1994.
Sua última disputa eleitoral foi em 2002, quando concorreu ao Governo de Pernambuco, mas foi derrotado pelo candidato do PMDB, Jarbas Vasconcelos. Com a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Costa foi convidado por Antônio Palocci (Fazenda) para coordenar a área de Políticas Sociais da transição federal, em Brasília.
À frente do Ministério da Saúde, Costa vem se empenhando em campanhas antitabagistas, no Programa Nacional de Controle da Dengue e no Programa Saúde da Família, entre outras ações.
Nesta entrevista exclusiva ao portal saude.com.br, o ministro Humberto Costa fala sobre o sistema de saúde pública, dengue, hanseníase, medicina comunitária e conta como cuida de sua própria saúde. "Procuro levar uma vida saudável. Apesar do dia a dia corrido, sempre deixo uma horinha para uma boa caminhada. Brincar com os filhos, dançar e até o trabalho doméstico também ajudam a abandonar o sedentarismo", revelou o ministro.
O senhor acredita que as campanhas antitabagistas tenham força para combater as indústrias de cigarro?
Humberto Costa: As campanhas antitabagistas são fundamentais na conscientização da população sobre os riscos do hábito de fumar. Dados do Banco Mundial mostram que o consumo de tabaco é maior nos países onde há pouca divulgação sobre os males provocados pelo tabagismo. Para se ter uma idéia, 80% do consumo global concentra-se justamente nas nações em desenvolvimento, onde a socialização das informações sobre os efeitos maléficos do tabaco ainda é limitada.
É por isso que o Programa Brasileiro de Controle do Tabagismo prioriza e muito a comunicação com a sociedade sobre as doenças relacionadas ao cigarro. Além das campanhas publicitárias, o Ministério da Saúde utiliza outra arma importante: as ilustrações e frases de alerta nos maços de cigarro. Inclusive, recentemente, lançamos dez novas fotografias com imagens mais fortes de casos reais de câncer de boca, pulmão, abortos, bebês prematuros, entre outras. Todas vítimas do cigarro. E mais: para fortalecer a comunicação com a sociedade, o Ministério da Saúde tem investido em ações educativas continuadas nas escolas, unidades de saúde e ambientes de trabalho.
Entretanto, mesmo com todas as restrições impostas pelo governo - como o fim da publicidade de cigarro nos meios de comunicação e a proibição das expressões light, baixos teores etc, nos maços - a indústria do fumo sempre tenta buscar outros caminhos para atrair novos adeptos e fortificar o vício dos que já fumam. Daí a importância de que as ações contra o tabagismo sejam contínuas. O governo, que tem como uma de suas responsabilidade cuidar da saúde da população, deve ser firme no combate ao tabagismo, mesmo contrariando os interesses da forte indústria do tabaco.
O que mudou esse ano para o combate à dengue e quais resultados foram obtidos até o momento?
Humberto Costa: O combate às endemias é uma prioridade dessa gestão. Aliás, quando assumi a pasta da saúde, este foi um dos meus compromissos. Para enfrentar melhor essas doenças endêmicas, como a dengue, hanseníase, leishmaniose, filariose, entre outras, a partir deste ano, o Ministério da Saúde passou a contar com a Secretaria de Vigilância em Saúde. Ao reunir a coordenação do combate, controle e prevenção das endemias numa mesma estrutura, o governo quer atuar de forma mais integrada e eficaz. Já em 2003, foi atualizado o repasse para as ações de controle e prevenção de doenças. Um aumento de R$ 32,94 milhões, resultado da atualização da forma de cálculo.
No caso específico da dengue, além dessas, estamos intensificando as ações do Programa Nacional de Controle da Dengue (PNCD), que prioriza a participação da comunidade, a melhoria da assistência aos pacientes e a integração dos trabalhos nas três esferas de governo. A queda na ocorrência de casos de dengue já é resultado deste trabalho. De janeiro a agosto de 2003, foram notificados 292.599 casos, enquanto em 2002, o número de registros totalizou 768.041. Ou seja, uma redução importante de 61,9%. Os casos de malária também sofreram redução de 13,7% se comparados os anos de 2002 e 2003, no período de janeiro a agosto. Isso graças às ações conduzidas pelo Programa Nacional de Prevenção e Controle da Malária.
O Brasil tem 72,5 mil casos de hanseníase, doença que já foi erradicada em todos os países da América Latina. Entre as 12 nações com mais casos de hanseníase, o Brasil aparece em segundo lugar. O que precisa ser feito, urgentemente, para reduzir o número de casos e, consequentemente, eliminar a doença?
Humberto Costa: Em primeiro lugar, é preciso fazer uma ressalva em relação à incidência da hanseníase no Brasil. Isso porque a forma como o Ministério da Saúde brasileiro trata a classificação dos casos de hanseníase difere do que é adotado por alguns países. Para o Sistema Único de Saúde (SUS), só é considerado caso de cura o paciente que, após receber o tratamento, é acompanhado e monitorado durante seis meses para ter certeza de que realmente há cura em definitivo. Essa exigência faz com que o Brasil apresente dados reais sobre a doença, porém acima dos outros países.
Em algumas nações, por exemplo, consideram-se curados todos os pacientes que recebem a medicação completa para o tratamento, sem o monitoramento e a certificação de que as pessoas realmente seguiram as recomendações médicas. Essa análise é duvidosa, na medida em que não é possível saber quais pacientes realmente se trataram corretamente e quais abandonaram antes de estarem curados. Então, a partir dessas considerações, o número de novos casos de hanseníase no Brasil chega a 38 mil por ano. Uma incidência ainda alta e é por isso que o Ministério da Saúde está trabalhando com afinco para reduzir esse número. A nossa meta é diminuir em 30% ao ano o número de casos da doença até 2005. Para alcançá-la, estamos reforçando o envolvimento de agentes comunitários de saúde e de médicos do Programa de Saúde da Família na detecção e acompanhamento dos casos de hanseníase.
Um dossiê elaborado pelo Conselho Regional de Medicina, com base em dados obtidos numa série de inspeções feitas durante o segundo semestre do ano passado, traça quadro caótico dos hospitais públicos da cidade do Rio de Janeiro. Falta tudo, de médicos a medicamentos. O secretário municipal de saúde, Ronaldo César Coelho, disse que dinheiro não será problema e está disposto a fazer os investimentos necessários. Por que então a situação chega a esse ponto, uma vez que ainda é comum paciente falecer à espera de atendimento?
Humberto Costa: O Ministério da Saúde criou uma comissão para investigar in loco a situação dos hospitais públicos do Rio de Janeiro: o Grupo Técnico Intergestor Tripartite, formado pelas Secretarias Estadual e Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, além do Conselho Estadual de Secretários Municipais de Saúde (Cosems-RJ). Este levantamento minucioso é que vai permitir identificar as ações a serem implantadas, o mais rapidamente possível, para sanar os problemas e garantir que o atendimento à população fluminense não seja prejudicado.
Quais são os maiores problemas do sistema de saúde brasileiro?
Humberto Costa: O SUS tem uma grande abrangência: cerca de 90% de toda a população é atendida de alguma forma, em campanhas de vacinação ou mesmo em procedimentos de alta complexidade. Porém, ainda estamos longe do ideal. É preciso que o acesso seja universal, que todos possam contar com qualquer serviço e que a assistência seja satisfatória, do atendimento mais simples ao mais refinado. Um dos problemas é o modelo de gestão atual. A extrema valorização da atenção hospitalar, do médico especialista, torna as filas enormes e corrobora com a falta de leitos. Não existe a cultura de procurar antes as equipes de Saúde da Família, que poderiam resolver grande parte da demanda. Todo mundo vai direto ao hospital, seja para fazer um curativo ou um exame de rotina, isso também sobrecarrega a rede.
Outro dilema é a formação de profissionais de saúde que saibam lidar com as necessidades reais do sistema público. Não raro, os profissionais de saúde saem formados para atuar em campos extremamente específicos. Há carência de bons generalistas, que entendam dos assuntos mais urgentes de saúde pública, que atingem a maior parte da população. Quanto aos recursos, sabemos que o orçamento ainda é escasso e não atende a real necessidade do sistema. Entretanto, não há dúvida de que se pode melhorar a assistência se o dinheiro for aplicado melhor e se a fiscalização funcionar bem. Este é um ponto que o atual governo está procurando reforçar. Fora a questão infraestrutural, as dificuldades pontuais residem nas lacunas herdadas por esta gestão. Velhos problemas ainda não foram totalmente solucionados: as endemias continuam a assustar, não há uma política clara de recursos humanos para o SUS e boa parte da população ainda não consegue os medicamentos de que necessita. E, por isso, para sanar essas questões, nós reorientamos as prioridades do Ministério da Saúde.
Qual é a importância da medicina comunitária num país como o Brasil?
Humberto Costa: Aqui voltamos um pouco à questão anterior. O Brasil ainda lida com dificuldades muito primordiais, como a falta de saneamento básico, a questão das doenças tropicais e endêmicas. Precisamos atuar na prevenção desses problemas, o que não é apenas mais eficaz como mais barato. Novamente, reiteramos que é importante organizar o atendimento. Assim, todos serão melhor assistidos. É indispensável também habilitar profissionais para o trabalho comunitário, aquele que vai de casa em casa para tratar e conscientizar, especialmente nas regiões mais afastadas.
Para desobstruir a rede hospitalar, estamos ampliando a atuação do Programa Saúde da Família (PSF), principal executor das ações na área da atenção básica. Para tanto, aumentamos o investimento para o PSF e o Programa Agentes Comunitários de Saúde de R$ 1,3 bilhão para mais de R$ 1,7 bilhão por ano. Até novembro deste ano, criamos 2.117 novas equipes do PSF e 1.617 equipes de saúde bucal foram incorporadas ao programa. Dessa forma, totalizamos 18,8 mil equipes de Saúde da Família assistindo 61,5 milhões de pessoas. A ideia é duplicar o número de grupos até o final da gestão e expandir a assistência odontológica. Dentro desse plano, a expectativa é ter, em 2007, 34 mil equipes levando saúde em casa para mais de 100 milhões brasileiros. Outra medida importante para a área de atendimentos básicos: aumentamos em R$ 152 milhões o repasse anual para pagamento dos Pisos de Atenção Básica.
Como o Sr. cuida da sua saúde? Faz dieta e pratica exercício físico?
Humberto Costa: Procuro levar uma vida saudável. Talvez por ser diabético, tenha me tornado uma pessoa bastante rigorosa com minha alimentação. Porções de frutas e saladas coloridas são presenças obrigatórias no meu cardápio diário. Também evito gorduras, sal e açúcar em demasia. E, apesar do dia a dia corrido, sempre deixo uma horinha para uma boa caminhada. Também gosto muito de nadar, embora não pratique com tanta frequência. O importante é não deixar que a sobrecarga de trabalho seja um obstáculo à prática de atividades físicas. Independentemente de estar matriculado em uma academia de ginástica, a pessoa tem de aproveitar as atividades do cotidiano para exercitar-se. Um ótimo começo é diminuir o uso do carro e dos elevadores para caminhar mais. Brincar com os filhos, dançar e até o trabalho doméstico também ajudam a abandonar o sedentarismo.
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