img

Domenico De Masi: "Tudo o que faço é desfrutar e aproveitar o tempo." (Entrevista)

Domenico De Masi, sociólogo italiano, concedeu entrevista ao Saude, onde explicou um pouco mais sobre seus conceitos de "ócio criativo" e como cuida da saúde

O italiano Domenico De Masi é respeitado por suas idéias sobre o trabalho e a criatividade, assuntos que pesquisa há mais de dez anos. Autor de diversos livros de sucesso, dentre eles destacam-se: "A Emoção e a Regra", "O Ócio Criativo", "O Futuro do Trabalho" e "Desenvolvimento sem Trabalho". Porém, ao contrário do que sugerem os títulos de seus livros, a filosofia de De Masi, professor de Sociologia do Trabalho da Universidade La Sapienza, em Roma, não é exatamente uma apologia à ociosidade.

O sociólogo prega um tipo de ócio diferente do clichê que a palavra sugere: sombra, água fresca e nenhuma ocupação para o resto da vida. O ócio que defende é o "ócio criativo", uma forma construtiva e, acima de tudo, prazerosa de utilizar o tempo. Para De Masi, o verdadeiro problema do século não é o trabalho, mas o tempo livre. A maioria das pessoas não sabe usa-lo. Ele propõe mais tempo livre, atividades mais flexíveis e criativas, e equilibrar o trabalho com a vida pessoal. E dá a dica: as melhores empresas são aquelas em que as pessoas são mais felizes.

O que prega é simples. Entre conceitos de "ócio criativo" e "sociedade pós-industrial", De Masi fala sobre uma reconciliação entre o trabalho e o prazer. E é por isso que, hoje, ele não é visto mais em empresas. "Na universidade eu posso fazer pesquisa, estudar e, também, estar no meio de gente jovem e criativa", disse o professor ao portal www.saude.com.br. Estilo de vida que inclui estudo e lazer é a única forma de produzir idéias geniais.

Domenico esteve no Brasil recentemente para lançar a revista NEXT Brasil e o livro "Criatividade e Grupos Criativos" (Editora Sextante). O primeiro número da NEXT foi publicado na Itália em 1998 e a versão brasileira segue os mesmos moldes da versão italiana, contando com um comitê científico de expressão e artigos de profissionais de reconhecido sucesso. O comitê brasileiro está formado por Affonso Romano De SantAnna, Cristovam Buarque, Frei Betto, Ivo Pitanguy, Jaime Lerner, Lino Villaventura, Roberto DAvila, Sebastião Salgado e Washington Olivetto, entre outros.

O portal saude.com.br esteve presente na noite de lançamento da revista na boate Nuth Lounge, no Rio de Janeiro, onde o professor e sociólogo Domenico De Masi nos concedeu entrevista exclusiva.

 

O senhor abandonou a carreira de executivo para se tornar professor e escritor. Como foi essa mudança?

Domenico De Masi: Eu deixei de trabalhar em empresas por dois motivos. Primeiro, porque toda empresa tem um chefe e, segundo, porque, na Itália, as universidades não têm chefes, há uma grande anarquia. Na universidade eu posso fazer pesquisa, estudar e, também, estar no meio de gente jovem e criativa. Eu voltei para a universidade num mundo privado e o meu salário foi reduzido à metade.

 

O que faz no seu tempo livre?

Domenico De Masi: Eu falo com você, converso com as pessoas. Não tenho tempo livre. Faço uma síntese de trabalho, lazer, estudo e diversão. Não reflito sobre a relação quantitativa entre o tempo de trabalho e o tempo livre. Tudo o que faço é desfrutar e aproveitar o tempo. Por exemplo, o que estamos fazendo neste momento? Estamos trabalhando? Estamos nos divertindo? Estamos estudando? Fica difícil saber. Estamos conversando, você está trabalhando, estudando e aprendendo.

 

Uma de suas teses é que o desemprego só tende a aumentar e que a maior parte de nós ficará desempregada. Portanto, o trabalho não será mais a nossa fonte de renda. Qual seria a alternativa, na sua opinião?

DM: A minha tese é que o trabalho aumenta, mas o crescimento populacional é maior do que o crescimento do trabalho. Não há emprego para toda essa gente. A única solução é redistribuir o trabalho. As funções de caráter físico estão sendo exercidas por máquinas e os seres humanos devem se dedicar às atividades flexíveis e criativas.

 

Quanto à questão da cultura do tempo livre, que tipo de mudanças o senhor acredita que deveria ser feita para que a escola não preparasse o aluno exclusivamente para o trabalho?

DM: As escolas, em países como o Brasil e a Itália, têm somente a preocupação de preparar a pessoa para o trabalho. Mas o trabalho é um sétimo de sua vida e as escolas se desinteressam pelos outros seis sétimos. Agora, se o que aguarda o jovem são um sétimo de trabalho e seis sétimos de tempo livre, a escola, a sociedade, a família e os meios de comunicação de massa devem ensinar esse jovem como usar esse tempo livre. Porque no tempo livre podem nascer ideias, podem haver grandes explosões de criatividade, mas podem haver, também, droga, violência, dissipação, inutilidade e tédio.

 

De que maneira o "ócio criativo" pode ser difundido pelos empresários e dirigentes de grandes empresas?

DM: É necessário que uma nova geração tenha a consciência de que o trabalho não é tudo na vida e existem outros grandes valores: o estudo para produzir saber; a diversão para produzir alegria; o sexo para produzir prazer; a família para produzir solidariedade, etc. Não interessa para os dirigentes de grandes empresas se o empregado tem família, amigos, esposa. Só interessa o trabalho e gerar riqueza. As melhores empresas são aquelas em que as pessoas são mais felizes.

 

O que deve ser feito pelas empresas e seus empregados para que haja uma fusão entre a produção e o lazer?

DM: É preciso modificar o foco do trabalho, bem como do tempo livre. Graças à tecnologia, há diversas possibilidades de se trabalhar. Podemos abrir um bar, trabalhar numa redação de jornal, por exemplo. Enfim, é possível alternar trabalho com diversão. Uma relação de trabalho ideal permite aos trabalhadores não apenas ganhar dinheiro, mas também satisfazer as necessidades de introspecção, amizade, amor, diversão, beleza e convivência. É necessário transformar o trabalho em ócio criativo: isto é um mix de trabalho (para produzir riqueza), estudo (para produzir conhecimento) e jogo (para produzir alegria).

 

O capitalismo não é capaz de distribuir riquezas nem mesmo em países do Primeiro Mundo. De que modo a cultura local de um país pode combater essa globalização, que o Sr. diz ser empobrecedora?

DM: Dentro do Primeiro Mundo a assimetria da globalização acentuou-se cada vez mais em favor dos Estados Unidos. Os americanos levam uma péssima vida porque buscam cada vez mais a riqueza e são particularmente agressivos ao proteger o seu atual domínio. Os EUA querem impor um novo modelo de vida a todos os países do mundo. Um modelo imperialista do qual as pessoas têm que consumir a cultura americana. Esta globalização, que tudo impõe, engloba e manipula, só pode ser confrontada pela valorização das culturas locais. Cada país deve traçar o seu caminho rumo ao progresso, expandindo a sua cultura através das artes, da música, da literatura. O país mais rico do mundo, os EUA, é incapaz de distribuir suas riquezas. Há uma diversidade crescente e todo o aparato tecnológico-político permite a poucos privilegiados controlarem a maioria dos recursos, obrigando uma multidão crescente de marginalizados a diminuir, a cada dia, sua própria qualidade de vida. É um país onde não há equilíbrio. Hoje se confrontam dois outros modelos igualmente alienados: de uma parte, o fundamentalismo islâmico, baseado no fanatismo religioso; de outra, o fundamentalismo americano, baseado no fanatismo consumista. A estes dois modelos, ambos expansionistas e agressivos, temos que contrapor um terceiro modelo com raízes na antiga sabedoria greco-romana, na suave beleza do Renascimento e na tolerante convivência latino-americana. Estamos precisando de um modelo novo, do tipo latino, italiano, francês, espanhol, brasileiro, argentino, chileno, português.

 

Qual a sua dica para se ter uma boa qualidade de vida?

DM: Primeiro de tudo, ter a consciência de que se vive uma vez só! E já que vivemos uma vez apenas, fazer o melhor possível sem fazer mal aos outros. Para vivermos melhor temos que dar menos importância ao dinheiro, ao poder, à riqueza e aos bens materiais. Temos que dar mais atenção aos outros desejos como a amizade, o amor, a diversão, a sensualidade e a estética.

 

Como o senhor cuida de sua saúde?

DM: Se você tiver atenção à sanidade mental, não terá problemas físicos ou problemas de saúde. Cuido da saúde mental (risos).

* Esta ferramenta não fornece aconselhamento médico. Destina-se apenas a fins informativos gerais, não pretende concluir nenhum diagnóstico e não aborda circunstâncias individuais. Não é um substituto do aconselhamento ou acompanhamento de profissionais da saúde. Alertamos que o diagnóstico e o tratamento não devem ser baseados neste site para tomar decisões sobre sua saúde. Jamais ignore o conselho médico profissional por algo que leu no www.saude.com.br. Se tiver uma emergência médica, ligue imediatamente para o seu médico.

Esta matéria pertence ao acervo do saude.com.br

brand

Um infinito de informações: saúde, meio ambiente, inclusão social, qualidade de vida e mais...