img

Carlos Alberto Parreira: "No dia em que não estiver faltando nada é porque tudo estará preenchido." (Entrevista)

Em entrevista para o Saude, Carlos Alberto Parreira, técnico de futebol, conta sobre suas ambições, saúde no esporte e seu dia a dia

De acordo com pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha, em dezembro de 2004, a maior parte dos brasileiros está satisfeita com o atual técnico da Seleção Brasileira de Futebol, Carlos Alberto Parreira. Seu trabalho foi aprovado por 47% dos 4.291 entrevistados. Parreira, que foi campeão da Copa do Mundo dos Estados Unidos, em 1994, reassumiu o cargo na Seleção em 2003. Em 2004, comandou 19 jogos do Brasil, dos quais obteve nove vitórias, oito empates e duas derrotas (25% acreditam que o técnico teve um desempenho regular). No entanto, vale ressaltar que, em julho do mesmo ano, Parreira conquistou o seu primeiro título após o retorno: a Copa América, cuja final foi disputada contra o maior rival da seleção brasileira, a Argentina, e decidida nos pênaltis.

Estatísticas à parte, a carreira de Carlos Alberto Parreira é incontestável. Reconhecimento internacional, títulos e muita experiência no currículo. Foi treinador de quatro Seleções em Copas do Mundo: 1982 (Kuwait), 1990 (Emirados Árabes), 1994 (Brasil) e 1998 (Arábia Saudita). No Brasil, Parreira aceitou comandar o Fluminense na terceira divisão do Campeonato Brasileiro e chegou ao título. Seu grande triunfo ocorreu em 2002, ao tornar o time do Corinthians campeão da Copa do Brasil e do Torneio Rio-São Paulo. Em seguida, voltou à Seleção Brasileira depois da conquista do pentacampeonato. A próxima meta do treinador é ser hexacampeão do mundo, em 2006, na Copa da Alemanha. “No dia em que não estiver faltando nada é porque tudo está preenchido”, revelou o técnico ao falar da carreira.

Para conseguirmos esta entrevista exclusiva com o técnico do tetra, ligamos diversas vezes para sua casa no Rio de Janeiro. Se encontramos algum assessor de imprensa no meio do caminho? Nada disso. Dona Carmem, que trabalha na casa do treinador, deixou bem claro: “Não, não. Nada de assessor. Ele mesmo é quem lida com os jornalistas. Só que no momento ele está viajando”. Depois de muita insistência, a própria Dona Carmem nos passou o seu e-mail. Para nossa surpresa (ou não?), recebemos uma resposta imediata do Parreira, dizendo que poderíamos marcar a entrevista após a volta de uma nova viagem. Esperamos mais uma semana e, enfim, conseguimos fechar a data.

Carlos Alberto Parreira recebeu a equipe do portal www.saude.com.br, na nova sede da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), no Rio, e falou sobre a saúde dos jogadores, futebol e cultura. Tranquilo e objetivo em suas respostas, Parreira definiu, em poucas palavras, o craque. “Ele faz as coisas que não são esperadas. Esse poder de criatividade é o que o diferencia do jogador comum”, disse o treinador da Seleção. Parreira entende (e muito) de futebol e já provou isso dentro de campo, mas em vez de falar de táticas ou esquemas, preferiu definir os pontos básicos para um time ser campeão. Para ele, não bastam a qualidade técnica, o potencial e o talento. “Tem que ter o foco na competição, a concentração, a vontade, a doação da equipe e o comprometimento com a vitória”.

 

Andy Roxburgh, diretor-técnico da Federação Escocesa, disse que os jogadores brasileiros tratam a bola de maneira especial e que os europeus são gratos por isso. O que você tem a dizer sobre essa declaração?

Parreira: Eu acho que ele está correto. É a minha visão também. A diferença básica do futebol brasileiro para o europeu é exatamente a técnica e a qualidade, ou seja, o trato com a bola. Nós tratamos a bola diferente, com mais carinho, amor e alegria. Como os italianos dizem, nós tratamos a bola com mais fantasia. E é fantasia mesmo, criatividade pura e é esta diferença que não deve ser mudada nunca. Então, o futebol para nós vai ser sempre um esporte de técnica e de habilidade; nunca de força e de velocidade. Eu acho isto ótimo.

 

O que acha da proposta do Zagallo, que sugeriu o aumento de 90 para 120 minutos o tempo de uma partida de futebol?

Parreira: Não sei. Eu não concordo com esta opinião do meu amigo. Eu acho que 90 minutos bem jogados são, realmente, bem suficientes. Do jeito que o futebol está muito corrido e muito brigado, o que nós temos que fazer é aumentar o tempo de bola corrida num jogo, em vez de 58, 55 e, às vezes, 40 minutos. No máximo, hoje, nós conseguimos chegar a 65 dos 90 minutos. Não é preciso aumentar o tempo de duração do jogo, mas aumentar o tempo de bola corrida, com menos faltas, punindo mais e deixando as jogadas correrem. É o que nós temos que brigar através dos juízes, jogadores e treinadores.

 

Você acha que os atletas estão dando importância à saúde?

Parreira: Sim. Hoje eles estão mais conscientes. O jogo é muito corrido, a exigência é grande e quem não tiver boa condição física não vai poder demonstrar a sua qualidade técnica. É evidente que em qualquer profissão há sempre uns 10% que não estão ajustadas com o processo. Não é somente no futebol. De um modo geral, eu sinto que existe uma consciência de que sem saúde você não vai longe.

 

Acha que o esporte pode ser o melhor caminho para que os jovens tenham uma qualidade de vida melhor?

Parreira: Sem dúvida. O esporte da disciplina, interage, faz com que você respeite as leis, respeite os mais velhos e faça parte da sociedade, além de fazer uma coisa sadia. Você ocupa o seu tempo de modo salutar. É uma terapia ocupacional importantíssima. Forma valores, personalidades. Eu acho que o esporte tem que ser implementado nas escolas públicas e particulares, para que o jovem adquira o gosto por ele.

 

Na sua opinião, qual a importância do futebol na cultura do país?

Parreira: Certa vez em uma entrevista, o Bernardinho disse que o Comitê Olímpico pensa da seguinte maneira: nós temos 22 esportes e uma religião. Ou seja, quando nós vamos a uma Olimpíada, temos 22 esportes e uma religião, que é o futebol. No Brasil é este contexto. A paixão do brasileiro pela Seleção e pelo futebol brasileiro é uma coisa impressionante. É realmente um aspecto da nossa cultura, é uma paixão integrada. Você não consegue desassociar uma manifestação tão forte e arraigada como o futebol. Além disso, o brasileiro tem orgulho das conquistas e daquilo que o futebol representa no Brasil e no exterior.

 

Como você convive com os altos e baixos, que são comuns na carreira de um técnico de futebol?

Parreira: Convivo, primeiro, com a consciência de que quando tudo está em alta, não é só você o responsável. É do mesmo modo quando as coisas estão em baixa. Tudo isto faz parte de um processo. É um trabalho de equipe, no qual ninguém vence sozinho. Todo sucesso se deve à força do grupo. Então o treinador é uma peça importante, como são os jogadores. Não tem esse negócio de perder o jogo e somente o treinador ser o culpado. Da mesma forma, quando se ganha, todos, os jogadores e o treinador, vencem juntos.

 

O que passa pela cabeça de um treinador no momento de entrar em campo para a final de uma Copa do Mundo?

Parreira: Em primeira análise, a satisfação de estar ali e de ter chegado até a final, o que significa que parte do dever foi cumprida. Porém, só isto não satisfaz.

 

Dá para sentir a energia de todo povo brasileiro?

Parreira: Dá, claro! Fico todo arrepiado só em pensar. Você sabe que na hora em que está entrando em campo, tem todo um país nas suas costas. Não tem como se desligar disso. É uma energia muito forte e chega a ser até indescritível. Mas você sente isso.

 

O que é preciso para um time ser campeão?

Parreira: Isto é uma coisa muito interessante. Não bastam a qualidade técnica, o potencial e o talento. É preciso, sobretudo, ter o foco na competição, além da concentração, da vontade, da doação da equipe e do comprometimento com a vitória. É um trabalho de equipe mesmo. Quando você consegue ter todo mundo remando na mesma direção, aí você conquista. Começa-se ganhando no vestiário. Vestiário é uma metáfora que se usa para simbolizar o grupo. Na Espanha isso é muito comum. Quando vão contratar um jogador, a primeira pergunta que fazem é: “ele é bom de vestiário?”. Ou seja, perguntam se ele é bom de grupo. Eu acho que é a força do grupo, o poder da mentalização e, sobretudo, uma coisa que eu sempre falo em minhas palestras, o sonho de ser campeão, que tem que ser materializado através de uma energia positiva, do trabalho, da doação, do comprometimento e de colocar o individual à serviço do coletivo.

 

Que habilidades um jogador precisa ter para ser considerado um craque?

Parreira: O craque é quem faz o inesperado. Este poder de criatividade é o que o diferencia do jogador comum. É evidente que o domínio da técnica e a habilidade também são importantes, mas é exatamente o poder de criar, do nada, uma situação que não estava prevista que o torna um craque. O jogador comum faz as coisas que são esperadas. O craque faz a diferença porque ele não pode ser colocado em nenhum tipo de padrão; ele cria e faz o inesperado.

 

Você passou 14 anos na Arábia Saudita. Como foi essa experiência no mundo árabe? Recebeu apoio da sua família?

Parreira: Para mim foi ótimo. Aprendi muito como pessoa.

 

Como foi lidar com a cultura árabe, com as pessoas? Adaptou-se à alimentação?

Parreira: A alimentação foi tranquila porque o povo árabe está muito bem servido, tem supermercados e comidas do mundo todo. Não tinha feijão no início, e a carne de porco era proibida, mas o resto você encontra de tudo, do bom e do melhor. Então, não houve problema. O choque maior é nos aspectos cultural e religioso. Os valores são diferentes dos nossos. O dia-a-dia, a educação, a maneira de conviver e as diversões que você não tem, também são diferentes. Porém, como eu me adapto com muita facilidade e estava na Arábia Saudita para cumprir uma missão, não tive problema. Fui muito bem tratado. Trabalhei com seleção e com gente da família real. Eu fui muito respeitado e só guardo boas recordações.

 

Sua família o acompanhou?

Parreira: Sim. Minhas filhas eram pequenas e tivemos problemas com o colégio. Tinha apenas colégio inglês ou americano e escola árabe. Elas frequentaram por um período curto, mas acabaram frequentando. Não tinha diversão para as meninas, mas isso uniu a família e deu-nos muita força. Materialmente, não houve problema. O problema é mais do lado emocional e psicológico, porque você está longe do seu país, da sua família e dos seus amigos. Quem tiver uma força interior para suplantar isso vai viver tranqüilo, porque você tem todo o conforto material e não falta nada.

 

Pratica algum esporte?

Parreira: Pratico menos do que deveria.

 

Toma cuidado com a alimentação?

Parreira: Cuido menos do que deveria (risos), mas estou alerta em relação a isso. Tenho me cuidado para não ficar com o peso excessivo, procuro me exercitar uma ou duas vezes na semana, faço esteira, caminho na praia ou ando de bicicleta. No entanto, acho que eu deveria fazer mais.

 

O que você gosta de fazer nas horas de lazer? Eu li que você pinta...

Parreira: Agora eu não tenho tido tempo, porque a Seleção não nos dá um tempo livre. Quando tenho mais tempo, eu gosto de pintar. Adoro.

 

Pinta em casa?

Parreira: Sim, tenho um pequeno estúdio. Tenho outro, também, na minha casa em Angra dos Reis, onde eu gosto de pintar.

 

Está satisfeito com sua carreira ou pretende realizar algum sonho?

Parreira: Agora falta ser hexacampeão do mundo. Sempre tem que faltar alguma coisa. No dia em que não estiver faltando nada é porque tudo estará preenchido.

* Esta ferramenta não fornece aconselhamento médico. Destina-se apenas a fins informativos gerais, não pretende concluir nenhum diagnóstico e não aborda circunstâncias individuais. Não é um substituto do aconselhamento ou acompanhamento de profissionais da saúde. Alertamos que o diagnóstico e o tratamento não devem ser baseados neste site para tomar decisões sobre sua saúde. Jamais ignore o conselho médico profissional por algo que leu no www.saude.com.br. Se tiver uma emergência médica, ligue imediatamente para o seu médico.

Esta matéria pertence ao acervo do saude.com.br

brand

Um infinito de informações: saúde, meio ambiente, inclusão social, qualidade de vida e mais...