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Os cuidados com a gagueira

Mesmo sendo um distúrbio bem comum, a gagueira ainda não tem explicações ou curas. Eliane Regina, Presidente da Associação Brasileira de Gagueira (ABRA), ensina melhor sobre como lidar e desmistifica algumas lendas sobre o assunto

A disfemia, conhecida popularmente como gagueira, é um dos mais conhecidos distúrbios da fala. A gagueira atinge 2 milhões de brasileiros e 60 milhões de pessoas no mundo inteiro, e ainda assim suas causas são pouco conhecidas. Com o filme “O discurso do Rei” indicado ao Oscar em 12 categorias, incluindo melhor filme, a discussão vem à tona mais uma vez. O Saude conversa com Eliane Regina Carrasco, fonoaudióloga e Presidente da Associação Brasileira de Gagueira (ABRA). Ela tira as dúvidas mais comuns e ainda explica como lidar com pessoas que possuem o distúrbio.

 

 

Eliane, é um prazer termos você aqui conosco, gostaria de começar a entrevista perguntando como você se interessou pelo distúrbio ao longo de sua formação e como chegou até o posto de presidente da ABRA?

 

Eliane Regina: É um prazer poder estar com vocês e tirar as dúvidas sobre esse tema.

Sou fonoaudióloga formada há mais de 20 anos e sempre gostei de estudar a gagueira, justamente por ser um assunto no qual ainda faltam respostas a muitas questões e, em muitos aspectos, ainda ser um mistério para a medicina. Há alguns anos atrás, conheci a ABRA por intermédio de uma especialização que estava cursando. Identifiquei-me com os objetivos e ideologias da associação, me associei e comecei a trabalhar de forma voluntária. Após um tempo, acabei sendo convidada a participar da diretoria, como vice-presidente e, desde a última assembleia, estou ocupando o cargo de presidente.



Você acha que o público em geral sabe pouco sobre a gagueira e suas causas?

 

Eliane Regina: Infelizmente ainda existe muita “desinformação” e preconceito sobre o assunto. É um tema pouco discutido e abordado no nosso meio, o que acaba gerando muitos mitos e fantasias. Porém, com o advento da Internet, as informações começaram a ficar mais acessíveis a todos. O surgimento dos grupos de apoio também promoveu maior possibilidade de discussão sobre o assunto. Atualmente, com o lançamento do filme “O Discurso do Rei”, o tema tem vindo mais à tona e sendo discutido cada vez mais.


Existe a ideia no senso comum de que a gagueira é simplesmente psicológica. Você poderia explicar melhor?

 

Eliane Regina: A medicina ainda desconhece a causa da gagueira, mas atualmente com exames modernos (exames de neuroimagens), já se sabe que é um distúrbio neurobiológico, ou seja, é causado por um mau funcionamento de algumas áreas do cérebro que são responsáveis pela fala.

 

A herança biológica também tem um importante papel. A genética também já fez grandes avanços nos estudos da gagueira, demonstrando que o fator hereditário também está presente.

 

Ou seja, cada vez mais as pesquisas científicas nos mostram que a gagueira é de origem orgânica. Apesar disso, o aspecto emocional também é levado em conta, mas não como causador, e sim como um “agravante” da gagueira.



Como a gagueira pode se apresentar? Existem variações do distúrbio?

 

Eliane Regina: A gagueira é um distúrbio na fluência da fala onde há interrupções involuntárias do ritmo natural da fala. Há uma interrupção da fluência por uma disfunção do controle motor da fala. Melhor dizendo, a pessoa sabe exatamente o que quer falar, mas não consegue por causa das repetições, prolongamentos e bloqueios.

 

A gagueira do desenvolvimento surge na infância, geralmente na criança pequena quando ainda está desenvolvendo sua linguagem. Há casos em que ela aparece no início da adolescência, mas é mais raro.

 

Há variações na severidade da gagueira, podendo ser classificada numa escala que vai desde “leve” a “muito severa”, essa classificação, contudo, só pode ser atribuída após uma avaliação específica realizada por um fonoaudiólogo.



Os pacientes mais velhos têm um histórico parecido? Como geralmente se comportam e lidam com o problema?

 

Eliane Regina: Cada ser humano lida de forma diferente com a sua gagueira e as adversidades que ela traz. Alguns aceitam melhor e enfrentam as situações difíceis que se apresentam na vida com ousadia e determinação. Outros, por outro lado, retraem-se, evitam situações de comunicação e podem até desenvolver outros distúrbios como depressão, fobia social, etc. Na verdade, tudo depende do temperamento e personalidade de cada um.



O que fazer se você observar problemas de fluência na fala em seu filho?

 

Eliane Regina: Primeiro de tudo é importante que os pais não se apavorem. Procurem não corrigir a criança e nem pedir para que ela fale devagar, que se acalme, que respire para falar ou completem as palavras por ela. Todas essas atitudes só poderão agravar o problema.

Ao contrário, tenham paciência e deixem que ela termine suas frases. Não demonstrem pressa ou afobação, falem mais devagar e sempre valorizem muito mais “o que” elas estão querendo falar do que “como” estão falando.

 

É importante procurar um fonoaudiólogo especializado no assunto para que, através de uma avaliação, possa-se definir se é realmente uma gagueira que deva ser tratada ou se é apenas uma fase do desenvolvimento normal da fala da criança. Além disso, o fonoaudiólogo poderá dar orientações importantes aos pais em como lidar com o problema.


Quais são os perigos das soluções caseiras? Alguma dessas receitas funciona?

 

Eliane Regina: Não há nenhuma comprovação científica de que essas “soluções caseiras” e “simpatias” funcionam. Muitas delas, inclusive, podem até fazer mal à pessoa.



Por que gagos geralmente conseguem cantar sem nenhum problema?

 

Eliane Regina: As pessoas que apresentam gagueira não gaguejam quando cantam, lêem em coro, sussurram ou falam com outro sotaque porque são atividades processadas em áreas distintas do cérebro.

Melhor dizendo, na fala espontânea, a região envolvida (núcleos da base) encontra-se comprometida nestas pessoas. Porém, para o canto, leitura em coro, e etc., a fala é processada em outra área que geralmente está íntegra nos gagos. Portanto, o que soaria como um problema emocional ou social, na verdade é explicado pela forma como o cérebro processa a fala.



Como funciona o aparelho "Speecheasy"?

 

Eliane Regina: O SpeechEasy é um pequeno aparelho digital que promove a fluência em algumas pessoas com gagueira. Importante dizer que ele é regulamentado pela ANVISA. Ele faz com que a pessoa se ouça com um atraso de milésimos de segundo e com a voz levemente alterada.

 

Ele se baseia no “efeito coro”, fenômeno natural que ocorre com as pessoas que gaguejam, no qual se observa uma redução ou até eliminação da gagueira quando estas falam ou lêem junto com outras pessoas.

 

Porém, não é toda pessoa com gagueira que se beneficia com seu uso, devendo, portanto, ser testado antes de adquirir.



Fale um pouco pra gente dos grupos de apoio e onde alguém com gagueira pode encontrar essas informações?

 

Eliane Regina: O Grupo de Apoio é um espaço único para as pessoas que gaguejam trocarem informações e vivências pessoais. Nestes encontros são discutidos diversos temas. Tanto aspectos mais objetivos, como as causas, ocorrência na população, tratamentos existentes, desmistificação de conceitos; como também aspectos mais subjetivos, com uma rica troca de experiências, onde os participantes compartilham suas dúvidas, suas angústias, seus medos, mas também suas vitórias, suas conquistas e a superação de desafios! Tudo sempre de forma descontraída, num clima agradável e acolhedor com afetuosa integração e amizade entre os participantes.

 

Os grupos de apoio são organizados através de reuniões mensais, gratuitas, sigilosas, destinadas somente a pessoas que gaguejam, e com número restrito de participantes.

Já contamos com essas reuniões em várias cidades do Brasil. Também incentivamos a formação de novos grupos, orientando e dando o suporte necessário para sua criação. Cabe ressaltar aqui, que se trata de um trabalho totalmente voluntário.

 

Como devemos agir quando conversamos com alguém que gagueja?

 

Eliane Regina: Podemos ajudar a pessoa, respeitando seu “tempo” para falar, ou seja, percebendo que ela vai precisar de um tempo maior para se comunicar.

 

Atitudes como apressar a pessoa, não prestar atenção, desviar o olhar, tentar completar as palavras mesmo que com a intenção de ajudar, demonstrar pressa ou impaciência, risos e piadas, são atitudes que não ajudam em nada e que podem inclusive trazer mais tensão a aquela situação de comunicação, tanto para a pessoa que gagueja como para o ouvinte.

* Esta ferramenta não fornece aconselhamento médico. Destina-se apenas a fins informativos gerais, não pretende concluir nenhum diagnóstico e não aborda circunstâncias individuais. Não é um substituto do aconselhamento ou acompanhamento de profissionais da saúde. Alertamos que o diagnóstico e o tratamento não devem ser baseados neste site para tomar decisões sobre sua saúde. Jamais ignore o conselho médico profissional por algo que leu no www.saude.com.br. Se tiver uma emergência médica, ligue imediatamente para o seu médico.

Esta matéria pertence ao acervo do saude.com.br

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