Hepatite C: saiba tudo sobre a doença
A estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de que 170 milhões de pessoas tenham hepatite C em todo o mundo, e os números nacionais também são preocupantes
Dados do Ministério da Saúde apontam que cerca de dois a três milhões de brasileiros podem estar infectados pelo vírus C, o que corresponde a aproximadamente 2% da população. Os dados demonstram o tamanho da epidemia, que já é um dos mais graves problemas de saúde pública.
As hepatites consistem em toda e qualquer inflamação do fígado, que pode aparecer como uma simples alteração em um exame laboratorial, quando em seu estágio crônico, ou mesmo como uma doença fulminante e fatal, mais frequente na configuração aguda.
A doença pode se dar por diferentes formas, sendo as mais conhecidas causadas pelos vírus A, B, C, D e E. Mas também existe a hepatite por medicamentos alopáticos, naturais ou fitoterápicos, por bactérias, por doenças autoimunes, por álcool e por doenças genéticas. "Anti-inflamatórios, anticonvulsivantes e hormônios, principalmente anticoncepcionais, também podem causar hepatites", alerta Eloíza Quintela, hepatologista especializada no tratamento de doenças do fígado.
A hepatite A, transmitida por alimentos ou água contaminada, é a mais comum e menos grave. Está diretamente relacionada com a falta de hábitos de higiene. Pode ser sintomática ou assintomática, mas o próprio organismo consegue resolver o problema sozinho. No nordeste, 57% das pessoas adultas já tiveram contato com este vírus.
Segundo a hepatologista, os tipos B e C, transmitidos através do contato com sangue contaminado, são bem mais graves. "Na maior parte das vezes assintomáticas, essas doenças tendem a se tornar crônicas por falta de diagnóstico e tratamento. A hepatite B é a mais temida, pois o melhor que conseguimos é interromper a multiplicação do vírus e retroceder um pouco seus níveis no organismo, mas o portador vai conviver com ele por toda a vida", explica.
Assim como a hepatite B, a C também se apresenta de duas formas. A aguda, quando a infecção aparece logo que o vírus se instala no corpo, e a crônica, na qual o paciente já está contaminado há, no mínimo, seis meses. A hepatite C normalmente não causa sintoma algum, ou apresenta sinais muito inespecíficos, como letargia, dores musculares e articulares, cansaço ou náuseas. Como as pessoas não sabem que estão infectadas, cerca de 80% dos casos acabam evoluindo para a fase crônica. "Os indivíduos podem ficar décadas ou mesmo a vida toda sem saber. Há uma quantidade de pacientes infectados que inclusive nunca desenvolve a doença grave ao longo da sua vida", diz Raymundo Paraná, presidente da Sociedade Brasileira de Hepatologia.
Para os que convivem anos e anos sem saber que têm o vírus, o maior perigo é só perceberem que estão doentes depois que o fígado está com danos graves. "Dos casos diagnosticados, 30 a 60 milhões deles evoluem para as formas avançadas, que podem levar ao óbito. A hepatite C crônica evolui silenciosamente por décadas. As ocorrências que diagnosticamos hoje foram fruto de contaminação nas décadas de 60, 70 e 80", afirma o médico. Por isso, a faixa etária que, atualmente, é mais atingida por este mal está entre a terceira e a quarta década de idade.
Estima-se que apenas um terço dos pacientes com infecção aguda pelo vírus C venha a ter sintomas ou icterícia (pele e olhos amarelados). "Nem dor de cabeça, nem febre ou enjoo, nem sequer uma 'indisposiçãozinha' de fim de tarde. Ela é absolutamente silenciosa até que tenha atingido seu estágio mais avançado. Sem qualquer sintoma ou informação sobre a doença, uma em cada 12 pessoas do mundo caminha a passos largos para complicações reversíveis somente com um transplante. Este é o mais sorrateiro dos males da atualidade", comenta a Dra. Eloíza Quintela.
Se não for tratado a tempo, o vírus C tem potencial de evoluir para uma cirrose e até um câncer de fígado. A hepatite é, hoje, a principal causa de transplante de fígado no país, responsável por 50% dos procedimentos. "Além dessas complicações, a infecção também pode desencadear outras doenças através da estimulação do sistema imunológico, que acarretam na diminuição da qualidade de vida. São elas: encefalopatia, água na barriga, peritonite bacteriana, insuficiência renal e sangramento de varizes no esôfago", acrescenta a doutora.
A hepatite C é transmitida através do contato com sangue contaminado. Apesar das especulações recentes mostrando a presença do vírus em outras secreções como o leite, a saliva, a urina e o esperma, segundo especialistas, a quantidade do vírus parece ser pequena demais para contaminar e não há dados que sugiram contágio por essas vias. A transmissão sexual também continua a ser considerada improvável.
Há possibilidade de contágio de mãe para filho durante a gestação e no parto, e os grupos de maior risco incluem receptores de sangue, usuários de drogas endovenosas, pacientes em hemodiálise e trabalhadores da área de saúde. "O contágio pode acontecer por partilha de seringas, agulhas ou instrumentos perfuro-cortantes, e até mesmo objetos de higiene pessoal", afirma o médico.
O vírus da hepatite C é muito resistente e chega a sobreviver de 16 horas a quatro dias em ambientes externos. Por isso, é muito importante conferir a esterilização das agulhas no tratamento de acupuntura, de clínicas odontológicas, de estúdios de piercings e tatuagens e, até mesmo, de salões de beleza. "Teoricamente, a espátula, a tesoura e o alicate de unha podem transmitir a doença. O mesmo acontece com a tatuagem, se esta for realizada em locais impróprios e não vistoriados pela vigilância sanitária", esclarece o Dr. Raymundo Paraná.
A maioria das pessoas descobre que está infectada pela hepatite C sem querer, ao realizar um exame de sangue de rotina ou ao doar sangue. O resultado positivo detecta um nível alto de enzimas produzidas pelo fígado na amostra, e também se você tem ou não os anticorpos contra o vírus.
Se a lesão hepática estiver em estágio inicial, é provável que você não precise tomar remédios. "A cura pode ser espontânea logo no começo da infecção. De 20 a 50% das pessoas conseguem se curar desta forma. Já na fase crônica, podemos tratar com medicações que oferecem de 45 a 90% de chance de cura, dependendo de alguns fatores como peso, sexo, hábitos alimentares e dos exames de cada um", explica o especialista.
A decisão de tratar a doença com medicamentos antivirais deve ser tomada em conjunto com seu médico. São tratamentos longos, árduos e bastante caros. Mas o SUS, Sistema Único de Saúde, através do programa nacional de prevenção e tratamento das hepatites virais do Ministério da Saúde, fornece todo o tratamento gratuitamente.
Nem sempre há cura, mas é possível controlar. "Hoje, cerca de 55% dos pacientes que tratam vão se curar. Atualmente é indicado o uso subcutâneo de interferons e de ribavirina, antiviral de uso oral. O tempo será definido pelo genótipo do vírus e a carga viral. Habitualmente, leva entre e 24 a 48 semanas", especifica a doutora.
As hepatites A e B possuem vacinas para imunização, mas a C não. "Este vírus entra no nosso organismo e vai se transformando em outras cepas (variantes), então é difícil, com tantas mutações, elaborar uma vacina tão potente para muitos subgrupos. Estudos estão em elaboração e esperamos que em breve a engenharia genética possa nos brindar com a vacina", ressalta a Dra. Eloíza Quintela.
Apesar dos esforços em conter a epidemia atual, especialmente com a realização de exames específicos em sangue doado, a hepatite C é uma séria ameaça à saúde pública. "Os números têm se mantido estáveis, contudo, temos muitos pacientes sem diagnóstico. Por ser uma doença que se mantém silenciosa por décadas, o diagnóstico é subestimado", aponta o Dr. Raymundo Paraná.
Assim, medidas adicionais de prevenção e tratamento precisam ser tomadas. "A principal arma nessa batalha é a informação. Além disso, não custa nada todo mundo pedir, na próxima consulta médica, uma requisição para fazer o exame de teste", sugere a especialista.
Fique atento para alguns indícios: cansaço extremo, dor nas articulações, dor de estômago, coceira, dores musculares, urina escura ou icterícia, avermelhamento das palmas das mãos, inchaço no estômago, pernas e pés e, até mesmo, confusão mental, distúrbios de memória e de concentração.
Vale ainda reforçar que, ao contrário do vírus da gripe, por exemplo, não se pode pegar hepatite C pelo contato casual, como abraços, beijos, espirros e tosse, ou através de talheres, toalhas ou roupas. Por isso, ninguém deve se afastar dos indivíduos infectados, e sim ajudá-los, dando a eles muito carinho, cuidado e atenção. O preconceito e o estigma precisam acabar.
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