Dra. Rosa: "Fazer esse trabalho é algo natural para mim." (Entrevista)
Rosa Célia Barbosa, a Dra. Rosa, conta para o Saude sobre o sucesso de seu projeto "Pró-criança" que fornece assistência médica para crianças do Rio de Janeiro
Séria, falando ao telefone, cheia de vigor e disposição. Foi assim que encontrei a Dra. Rosa Célia Barbosa, na sede do seu projeto “Pró-Criança”, em Botafogo. Muito atenciosa, educada e sem papas na língua, uma mulher diferente, iluminada, que me surpreendeu desde o primeiro momento. Fiquei fã não só da médica, mas também da mulher, que com muita sorte, como ela mesma diz, e determinação vêm alcançando tudo o que quer. Agora, dedica parte do seu dia ao mega projeto do Hospital Pró-Criança, que vai atender tanto crianças carentes como as que têm condições de pagar. A obra deve custar cerca de R$20 milhões, dinheiro que está sendo conseguido com a ajuda do BNDES, do governador Sérgio Cabral que conseguiu todo o cimento necessário para a obra gratuitamente, e outras empresas, além das doações de pessoas físicas. Rosa Célia concedeu entrevista exclusiva ao saúde.com.br. Nosso diretor executivo, Paulo Bertone, fez questão de acompanhar o encontro não só pela admiração que tem por Rosa, como também para propor uma parceria entre o portal e o projeto “Pró-Criança”.
A senhora teve uma infância difícil. Resolveu atender crianças carentes por se identificar com elas?
Dra. Rosa: Eu nunca fiz esse link com a minha infância não. Tenho a minha vida como se fosse dividida em compartimentos e essa minha parte de ter sido criança carente, de ter vivido em um colégio interno, serviu para me deixar uma pessoa forte. Interessei-me pelas crianças carentes porque já que o que sei fazer é cuidar do coração das crianças, e estando totalmente estruturada para isso, com uma clínica, com equipamentos, que são meus, e por ter criado uma unidade no hospital “pró-cardíaco” na qual era chefe, achei que era o momento ideal para encaixar algumas crianças nessa estrutura. Fazer esse trabalho é algo natural para mim, não houve esforço, não é: (SIC) “Ai meu Deus como eu sou feliz... e durmo. Não, é tudo normal, eu tenho essa coisa em mim de ajudar. Preciso me conter para não ajudar as pessoas, isso é meu, sempre fui assim desde pequenininha. Meu foco nunca foi dinheiro, não quer dizer que nunca me faltou, mas eu poderia reverter tudo para mim, sozinha, mas para que?”
Como essa estrutura cresceu tanto?
Dra. Rosa: Então... Começou com uma coisa muito pequena, que seria no meu escritório, fazendo uma coisa que já fazia. Primeiro encaixei as crianças no meio das consultas, depois passei a ter um dia especial para isso, foi aí que fiz o convênio com o “Pró Cardíaco” para realizar os procedimentos mais invasivos como o cateterismo. A partir dali a coisa foi crescendo e o meu consultório já não dava mais vazão, então consegui dinheiro com o BNDES, com uns amigos e comprei essa casa, onde fiz a sede do “Pró Criança”.
Não adianta a criança receber todo esse atendimento e depois não ter condições de comprar remédios ou mesmo alimentos. Vocês fornecem toda essa estrutura?
Dra. Rosa: Fornecemos sim. A primeira criança que operamos morreu e a gente viu que era falta de cuidado, então percebemos que não adiantava, teríamos que dar os medicamentos e, também, a alimentação. Com a sede aqui conseguimos organizar uma boa estrutura. As crianças aqui têm um atendimento global, fazem consulta, eletrocardiograma, eco cardiograma, já sai com os exames definidos, se precisar fazer cirurgia, entra numa fila e ainda passa pelo consultório dentário, leva medicamentos e alimentos.
“Na escola perde-se muito tempo. Deveriam ensinar a pensar no outro e a ter essa noção de que o Planeta Terra é a única casa de todo mundo. Porque as pessoas destroem tudo por ganância. Como você pode destruir algo que não vai ter volta?”
E qual é a relação que você cria com essas crianças e com os pais delas? Elas se espelham em você?
Dra. Rosa: Isso é uma coisa impressionante. Eu sou modelo para elas, elas dizem que querem ser médicas, como eu, escrevem cartas, me beijam e abraçam. Eu não posso decepcioná-las, passar por elas sem sorrir porque existe uma expectativa enorme.
Você já trabalhou como professora de jardim de infância. Sempre gostou de crianças?
Dra. Rosa: Sempre tive uma proteção com criança. Quando me formei queria fazer pediatria, mas fui levada por um professor, que era cardiologista, a seguir essa área. Sou nefrologista e cardiologista. Na cardiologia atendia adultos, mas notei, que quando estava de plantão, as crianças chegavam e ninguém sabia o que elas tinham, porque achavam que a criança era um adulto pequeno e não é, é completamente diferente. Eu fiquei pensando como ia dar plantão se iria aparecer uma criança, ia morrer sem eu saber a causa. Sim porque você pode até perder, mas tem que saber o motivo, foi aí que resolvi estudar cardiologia infantil, mas aqui ia demorar muito, então consegui uma bolsa e fui estudar em Londres.
Pois é, você foi para Londres sem saber falar inglês. Como foi ir para um país diferente, sem conhecer nada?
Ra. Rosa: Com muita determinação. Eu vi que precisava estudar ou iria ficar medíocre e, também, não queria ficar dando plantão aqui e ali, só que não podia pagar nada, não tinha um tostão. Fui fazer a prova de inglês sem saber nada, onde é que pobre aprende inglês? Acabei não passando e tinha apenas dois meses para passar e ir ou perdia a bolsa. As meninas do Consulado viram que aquilo era muito importante para mim e me ligaram assim que um novo cônsul chegou para que eu fizesse novamente a prova. Estudei dia e noite com uma professora particular, decorei um livro do George Orwell e fui lá, com o livro debaixo do braço, ele deve até ter ficado impressionado. Fiz a prova e ele viu que não sabia nada, porque a primeira coisa que me perguntou foi o que achava de “Slum”, que é favela, mas eu não sabia. Desci e em alguns minutos descobri que havia passado. Eu quis ir dois meses antes para estudar a língua, então pensei em vender um fusca que tinha pegar o dinheiro e ir, mas uma semana depois, chegou uma carta do consulado dizendo que eu iria dois meses antes para estudar com tudo pago e fui. Porque também, se eu continuasse aqui não ia conseguir estudar já que tinha que trabalhar e ainda ajudar a minha família numerosa, quando você é o único que tem uma luz, tudo cai sobre você. Em Londres eu estava sozinha, não podia ligar para o Brasil porque era muito caro, não conhecia nada e nem ninguém.
Os outros alunos riam de você pelo seu inglês precário, mas passaram a respeitá-la quando você apresentou um caso super complicado. Como foi isso?
Dra. Rosa: Era muito difícil e eu fui para lá com a proposta de aprender, sou muito séria, não faço nada mal feito. Eu não queria ir para lá para visitar a Escócia, queria aprender e colocar a mão na massa. Disse para a doutora Summerville que queria trabalhar, participar dos procedimentos, então ela me delegou uma série de tarefas. Uma delas foi apresentar um caso, que para minha sorte, era uma doença muito comum no Brasil, a Febre Reumática, mas raríssima na Europa. Eu dei sorte em tudo. Estudei que nem uma louca. No dia de apresentar era um espetáculo, tinha gente de tudo que era canto. Depois dali todo mundo começou a me respeitar e é assim até hoje.
“Eu corro ali na praia do Leblon e recolho pelo menos uns 100 objetos plásticos na areia. O ser humano tem que ter noção de tudo e não só daquilo que faz. A água, por exemplo, ficar lavando calcinha no chuveiro não pode! Gasta muita água!”
Vamos falar do Hospital Pró-Criança, que vai atender tanto crianças carentes como as que têm condições melhores. Como vai ser o funcionamento desse hospital?
Dra. Rosa: Esse projeto é um mega pulo. Pensei nisso porque o projeto está crescendo muito e o pró- cardíaco não tem como prioridade o atendimento pediátrico. Em 2006 o pró-cardíaco me chamou e disse que a unidade infantil dava prejuízo, e que iria acabar. Fiquei acabada, achei que o mundo ia acabar, mas procurei um amigo que já sabia do meu sonho de construir esse hospital e ele me disse para eu procurar um terreno que me ajudaria a pagar. Acho que esse modelo vai funcionar muito bem, porque um hospital público sozinho não daria certo, os médicos não se fixam porque ganham pouco. O hospital vai ser voltado exclusivamente para pediatria. 30% dos pacientes serão pobres, os outros 70% convênios e particulares. A obra já começou, hoje mesmo tive uma reunião com o Governador, que vai me ajudar a resolver alguns problemas.
A grande maioria dos problemas cardíacos é causada por que motivo?
Dra. Rosa: No meu consultório atende-se por dia uma média de 30 pacientes. Aqui no projeto atendemos uma média de 40 pacientes por semana. E não tenho a menor dúvida que o número de cardiopatias aumentou, mas a maior parte delas é congênita. Estamos, inclusive, fazendo um trabalho de check up na criança a partir dos sete anos de idade. Essa criança com a cardiopatia congênita independe de ser pobre ou rica, de comer bem ou mal. Outra coisa é a síndrome de down, que também está crescendo muito. Antigamente eram mães mais velhas, agora não tem idade. É assustador o aumento e 40% deles têm problemas cardíacos. Existem casos que não são congênitos, uma virose mal tratada, por exemplo, pode atacar o coração, a doença de kawasaki, estragam as coronárias, a febre reumática, que tem maior incidência nos países pobres é uma infecção de garganta mal tratada que lesa o coração definitivamente.
É feito um trabalho de conscientização com as crianças?
Dra. Rosa: Sim. Por exemplo, a criança vem fazer o check up cardiológico, e começo a ver os erros da família. Pergunto às mães como comem, como é seu carrinho de compras, quais são seus hábitos e a partir daí faço uma orientação.
Esse fator alimentação também tem relação com os problemas cardíacos?
Dra. Rosa: Claro. Você pega uma criança que chega ao meu consultório com sobrepeso, e com tendências a hipertensão. Se você não cuidar, ela vai ser um adulto doente. E as pessoas estão tendo enfartes cada vez mais cedo.
* Esta ferramenta não fornece aconselhamento médico. Destina-se apenas a fins informativos gerais, não pretende concluir nenhum diagnóstico e não aborda circunstâncias individuais. Não é um substituto do aconselhamento ou acompanhamento de profissionais da saúde. Alertamos que o diagnóstico e o tratamento não devem ser baseados neste site para tomar decisões sobre sua saúde. Jamais ignore o conselho médico profissional por algo que leu no www.saude.com.br. Se tiver uma emergência médica, ligue imediatamente para o seu médico.
Esta matéria pertence ao acervo do saude.com.br